SINOPSE
Neste Golpe de Vista, os leitores se deparam com histórias de pessoas absolutamente comuns, oriundas de diversas camadas da sociedade. Nos instantes seguintes, o que parece ser corriqueiro converte-se bruscamente em situações insólitas.O sarcasmo do autor abre frestas nas convenções da racionalidade e sua ficção instaura uma realidade complexa e, mais do que nunca, humana.
O conto homônimo que dá título ao livro Golpe de Vista trata do infortúnio de Azeredo que, depois da separação, decide construir uma casa no condomínio nobre da cidade. Uma vez finalizada a obra, a personagem tem a impressão de que os cômodos sofrem bruscas alterações de tamanho e vivencia o tormento da incerteza.
Outros episódios insólitos chamam a atenção do leitor como, por exemplo a história de um edifício em que os apartamentos vão desaparecendo e os condôminos se veem acuados no térreo. Em Golpe de Vista, há contos que possivelmente despertem polêmicas porque desestabilizam a noção convencional de ética. Essa é só mais uma provocação das várias que há nesse pequeno livro de contos.
FORTUNA CRÍTICA - OLGA CASTRILLON-MENDES
GOLPE DE VISTA: UMA EXPERIÊNCIA HUMANA
Olga Maria Castrillon-Mendes
Golpe de vista é mais uma coletânea de contos de Eduardo Mahon, recentemente lançada pela Carlini & Caniato (2024). Mahon tem se colocado no topo do intenso panorama da produção literária brasileira. Como tudo que propõe, a coletânea segue o que sobra na oficina do escritor – ingredientes linguísticos colocados de forma a mexer com a imaginação leitora, através de histórias inusitadas. O conjunto dos textos é um desfile de personagens comuns, facilmente reconhecíveis, todas envolvidas em situações supostamente “reais” do cotidiano.
O que acontece é que os narradores são cruéis. Inventam situações esdrúxulas, cômicas, estranhas, misteriosas, levando o leitor a experimentar diferentes sensações. Ou ele se vê metido em jocosas situações em que elementos da casa aumentam e encolhem, sem motivo aparente, ou simplesmente personagens se colocam em uma fila que vai se prolongando, sem que ninguém entenda porque se encontram ali; ou ainda o interesse de um estudante de medicina em colecionar tumores malignos; o dente de outro personagem que dá sinais de vida, deixando o dono em maus lençóis; o direito de outro a um minuto de fama; o garçon fracote que resolve turbinar o corpo e só se enxerga no espelho da própria academia; o inventor que guarda energia sob fina capa de cetim e por aí afora. É um desfile de inventos originais, rotina inesperada, persistência na sorte, (in)felicidade conjugal, dilema do morto com o próprio caixão, nadadora de muito fôlego, greve do grão para germinar, uma passageira brindada com obséquios, o doce-diabo familiar, o gato Feliz, a gestação de Carminha, o ascensorista Orozimbo, criador de anãos, suíte master e muito mais ineditismo de atitudes aparentemente sóbrias, mas que se revelam fora dos padrões considerados normais.
Os contos, mais ou menos com a mesma extensão (só os 2 últimos são mais longos), adquirem um ritmo ágil de leitura, à medida que o leitor percebe a fluidez no processo de avanço da leitura. A história se enxuga pela velocidade da contação, que eleva o clímax de perplexidade. O resultado é uma acolhedora sensação de exaustão, mas ao mesmo tempo de alívio pela resolução dos problemas das personagens, sempre voltados para o inesperado. A impressão é de certa falta de sentido e de propósito da vida. Uma espécie lacunar de busca que gera ansiedade, semente fértil para a reflexão.
O absurdo em Eduardo Mahon corresponde à relação que o ser humano estabelece com o mundo. Não há nenhuma intenção de ordenamento e o confronto com o humano recusa racionalização, personificada pela estranheza e mistério. Desta forma, o absurdo é parte integrante da realidade. O escritor capta as diferentes reações humanas e vê, nas situações criadas, variedade de perspectivas da própria realidade. Um “golpe de vista”, um novo jeito de ver, por isso efêmero e transitório, o que nos leva a perceber que, por mais absurda que seja a existência, as respostas são simples e descomplicadas. Muitas vezes, nem uma coisa nem outra, mas um salto no escuro, como ao se colocar à beira do vazio, situação deliciosamente proposta pela capa do livro.
Acreditem, pois; não é apenas mais um livro de contos do autor, mas uma instigante jornada de descobertas que só o avanço na leitura é que pode dizer (ou não).
Olga Maria Castrillon-Mendes
Em Cáceres, outubro/2024