Quando Gervásio Leite assumiu a cadeira 2 da Academia Mato-grossense de Letras, José de Mesquita – fundador e presidente por 40 anos – saudava a “ala moça” da instituição. Gervásio Leite e Rubens de Mendonça, ambos contumazes críticos do que consideravam passadismo pespegado à lírica regional, foram acolhidos com esperança. O impacto do ingresso de ambos se evidenciou nas Revistas da AML. Apareceram novos escritores, incluindo aí o modernista Lobivar Matos e o intensivista Wlademir Dias-Pino. Bem resolvido com sua literatura consistente, Mesquita era um intelectual maduro que não tinha medo da crítica e, sobretudo, do futuro.

 

Muito tempo depois, veio Marília. A filha de Gervásio, professora fundadora da UFMT, primeira coordenadora de cultura da nascente Universidade Federal, inquieta, amorosa, expansiva Marília Beatriz de Figueiredo Leite tomou posse na cadeira do pai. Não era uma garota. Ao contrário de Gervásio, ingressou madura na AML e sabia perfeitamente que a imortalidade não é uma mágica escondida nas dobras da pelerine. O que sobrevive ao tempo é a obra. Além de produzir freneticamente, injetou grandes doses de autoconfiança na próxima geração. Antes de falecer, levava uma ideia fixa: eleger mais uma escritora para a Academia.

A terrível ironia da vida é que Marília jamais imaginaria que sua campanha fosse bem-sucedida, cedendo ela mesma a cadeira à sua amiga, colega e preferida – Marli Walker. Nossa ex-presidente foi colhida pela terrível pandemia. Mas sua vontade prevaleceu na expressiva vitória em 1º turno da sucessora. Por essas e outras, o acaso é um caso a ser pensado. Marli Walker é professora, pesquisadora, poeta e romancista. Inaugura um tempo em que a Academia Mato-grossense de Letras amplia ainda mais a representação estadual. Alarga-se para integrar. Com a vitória da escritora, quem ganhou foi a AML porque, ao valorizar a obra, sublinha tudo o que Walker representa: literatura, crítica, paridade e independência.

Cada um dá o que tem. O que Marli nos oferece são livros de qualidade. Hoje temos uma instituição cuja força vem mais da produção do que de formalidades ritualísticas. Acredito que essa é a verdadeira força institucional de qualquer organização amadurecida. Por isso, fico a pensar no largo sorriso que José de Mesquita daria ao sentir esse sopro renovador. “Viva a ala moça” – certamente diria ele no discurso da saudação. Por quê? Porque o futuro acaba chegando. Seja em forma de brisa ou como um pé na porta. Como cantava Elis: o passado é uma roupa que não nos serve mais. Marli ocupará a vaga de quem nunca se deixou apertar nos modelitos de seu próprio tempo. Nossa saudade, Marília! Venha, Marli. Venha vestida de futuro!

Eduardo Mahon é escritor e ocupa a cadeira 11 da AML.