Tive um amigo que adorava pés. Não, não era pedófilo, nem podólogo, era pedólatra, ao pé da letra. Eu achava estranhíssimo. Queria ver o pé da mulher antes de sair com ela. O pé diz muita coisa, ele garantia. Diz o que? Diz tudo, ora! Unha cortada? Sinal de capricho. Depilado? Mulher sistemática. Calcanhar macio? Sofisticada. E por aí ele compunha uma enciclopédia ligada ao pé: os sapatos, os saltos, as palmilhas, as meias, tudo o que se ligava ao tema. ...Não parava por aí. Ele gostava das mais velhas. Por que?, eu sempre quis saber. Pé de galinha, saca? Isso mesmo: ele gostava até das rugas das balzaquianas, qualquer coisa que lembrasse um pé. Aliás, conquistava todas as matronas porque era um bruta pé-de-valsa. Champanhe, restaurante e pimba!, era um galã finíssimo, ao contrário de muito pé-de-chinelo por aí. Verdade seja dita: o romance não dava certo. Com pé de cana, não dava pé. Metia os pés pelas mãos o coitado. Paciência... Meu amigo não dava um passo atrás. Para ele o pé era uma instituição! Os dedos, os contornos, a textura, o homem era formado em reflexologia só para passar o dia todo pegando no pé. Tinha mania de classificar as pessoas de acordo com o pé. Pode reparar, meu amigo, pé grego é sinal de inteligência, pé egípcio significa virilidade e pé romano é pra gente preguiçosa. Batata! Pois não é? Comecei a reparar no pé dos outros. Hoje me dou conta que o pé é mesmo fundamental. Pé na tábua, pé na estrada, pé de meia, pé de cabra, pé de moleque... imaginem o que seria da língua portuguesa, se não fosse o pé? Esse negócio de pé pega mesmo! Tudo pode ser pensado em termos de pé. Gasta muito? Pé no chão. Comeu demais? Pé na jaca. Quer dançar? Pé de serra. Quer entrar? Pé na porta. É segredo? Pé de ouvido. Está quente? Pé de vento. Quer sombra? Pé de manga. Foi traído? Pé de pano. Fim de caso? Pé na bunda. Vai morrer? Pé na cova. O pé, enfim, é o começo e o final da existência humana. E tem gente que duvida. Não é um pé no saco?