RESENHAS LITERÁRIAS

A beleza de ler um livro ainda não publicado é que, depois que encarna no papel parece ser algo completamente diferente. Exilado no Manso, há mais de 1 ano, li o copião do atual Domicílio (Gesto, 2021). Senti um gosto meio amargo de balanço, fim de festa, noves fora, trocando em miúdos. Talvez fosse a pandemia, o sol escaldante, o cenário do cerrado bruto. Li várias vezes como se, na poesia de Marta, houvesse alguma salvação. Nunca há. Quem sabe, dê-se justamente o contrário. Agora, devidamente vestido de capa e contracapa, o livro confirma a minha sensação inicial. A maturidade cobra uma espécie de retrospecto, antologia ou exposição do que se aprendeu até aqui. Não poderia mesmo ser um livro esperançoso em meio ao nosso contemporâneo desesperançado.

A estreia de Juçara Nacioli com Chão Batido

 

Fiquei besta comigo mesmo. Em geral, não me contenho diante de um livro que me causa forte impressão. Quando recebi “Chão Batido”, de Juçara Nacioli (Editora Carlini e Caniato, 2021), li com a costumeira sofreguidão dos usuários de psicotrópicos, muito embora seja essa a minha natureza ao largo de ritalinas e dormonides. Talvez a resenha não tenha vindo porque viajei com as crianças. Daí que dobrar cuecas, meias, pijamas, guardar escovas de dentes e arrumas as malas é atividade inconciliável com resenhas literárias. Contudo, a despeito de praia e de um episódico camarão, voltei correndo para cumprir o que julgo uma missão: escrever.

Quando Gervásio Leite assumiu a cadeira 2 da Academia Mato-grossense de Letras, José de Mesquita – fundador e presidente por 40 anos – saudava a “ala moça” da instituição. Gervásio Leite e Rubens de Mendonça, ambos contumazes críticos do que consideravam passadismo pespegado à lírica regional, foram acolhidos com esperança. O impacto do ingresso de ambos se evidenciou nas Revistas da AML. Apareceram novos escritores, incluindo aí o modernista Lobivar Matos e o intensivista Wlademir Dias-Pino. Bem resolvido com sua literatura consistente, Mesquita era um intelectual maduro que não tinha medo da crítica e, sobretudo, do futuro.

Considero “Pó de Serra” e “Apesar do Amor”, de Marli Walker, um marco para a literatura mato-grossense. Walker inaugura a visão realista sobre o desbravamento das terras nativas, fazendo uma contraposição evidente com o idealismo típico dos primeiros autores. Não sei realmente se os críticos Mário César Silva Leite e Marta Cocco estão corretos em afirmar ter havido um projeto literário parecido com o que se viu em termos nacionais após a independência: a visão grandiloquente da terra e do homem. José de Mesquita, irmão intelectual de D. Aquino, retrata a figura do bandeirante como o introdutor da salvadora fé cristã em Cuiabá:

O lançamento de um novo livro é desafiador para qualquer escritor que tome a literatura como propósito. A vertigem ganha contornos dramáticos quando o autor já alcançou o reconhecimento público em vida. Admiradores e críticos sempre se pautarão pelas impressões sedimentadas diante do conforto intelectual em palmilhar um estilo conhecido, explorado, amplamente comentado. Por isso mesmo, não raras vezes, os autores fecham-se em preciosismos estéticos, patrulham-se por detalhes insignificantes, flagelam-se com duras autocríticas e, no mais das vezes, evitam novos desafios. Não é o caso de Lucinda Persona, felizmente. A autora desafia a confortável consagração que amealhou nos 25 anos de carreira literária, com prêmios nacionais e regionais, trabalhos acadêmicos sobre a obra poética e centenas de resenhas favoráveis. Lançou “O passo do instante” e mostrou que o invulgar fôlego literário está longe de acabar.

Na resenha anterior, pretendi mostrar como a terra influencia a literatura em seus diversos momentos históricos, mais especificamente fenômenos ligados à Cuiabá e suas transições no tempo e espaço. Tracei um paralelo entre o cânone “aquiniano” que pretendia idealizar a imagem mato-grossense e cuiabana como uma espécie de Éden, cruzando-se raças fortes e corajosas, com a poesia da geração seguinte que se viu aturdida com o crescimento da cidade.

Os modelos quando se enfeixam para um centro, como se obedecessem alguma forma especial de gravidade chamam-se de arquétipos. O arquétipo é uma forma consagrada que induz ao mimetismo. De certa forma, consciente ou inconscientemente, estão tão entranhados no imaginário de um povo que servem de amálgama identitário. Do berço grego que urdiu a cultura ocidental há vários arquétipos. Destaco a rivalidade entre dois irmãos que chegou ao maior cânone literário ocidental, Shakespeare como o seu Hamlet.

Em qualquer inventário, sobretudo o literário, importa tanto saber o que está arrolado, quanto o que está esquecido. É que o que o autor não diz pode ser mais importante do que a própria escrita. Esse tipo de arrolamento é prazeroso em autores que escondem propositalmente a intenção, ou ainda, escondem-se nas palavras. Talvez tenhamos aí um bom termômetro para mensurar a densidade de uma obra e, por isso, quero destacar a poeta Divanize Carbonieri que pipocou pronta para o consumo nacional, temperada com sal e pimenta, nas duas obras publicadas recentemente pela Editora Carlini e Caniato – Entraves e Grande Depósito de Bugigangas.