Todo mundo tem medo de alguma coisa, não é vergonha admitir. Conheço gente com horror a barata, cachorro, aranha, não importa. Eu tenho medo de avião. Não do aeroplano em si. Eu embarco numa boa. Até gosto do aspecto simétrico dos assentos. Meu problema com aviões começa quando a comissária avisa: atenção, senhores passageiros, fiquem atentos ao aviso de atar os cintos; estamos passando por uma área de turbulência. É aí que minha coragem se despede.

Carnaval é substantivo, mas no Brasil também é verbo e advérbio. Carnavalizamos a nossa vida e achamos muito natural. Essa euforia, essa graça, esse displicente estado de espírito governa o nosso modo de ser. Isso não é mau. É apenas diferente. Alguns povos – sobretudo os europeus, nos invejam. Como são felizes! – espantam-se com a difícil conjunção entre pobreza e alegria. Tudo está liberado, tudo é permitido: “não existe pecado do lado debaixo do Equador”.

Não sou de reclamar, mas tem dias que fico de saco cheio, sabe? Uma noite dessas, eu estava na Farme de Amoedo, tentando um programa e passou um cara numa Mercedes novinha, abaixou o vidro com insulfilme e gritou – puta! Chato isso. Deve ser veado. Só pode! O que fiz pra provocar o sujeito? Nem me ofendeu, claro. Eu já estou acostumada: puta velha, putaça, putérrima, tanto faz. O que me incomodou foi o tom. O tom é que faz toda a diferença.

As fotos velhas estão guardadas como que sepultadas em algum álbum roto. Não mexas com elas. Em tudo há uma razão. As fotos amarelecidas estão descerradas no esquecimento por um motivo. Não acredita? Então, vá! Mexa! Verás que elas têm alma, qualquer coisa de sagrado e, por isso, a aflição dos sacrílegos há de acometer-te. No fundo esbranquiçado, o teu bisavô pretende te contar uma verdade decantada pelo tempo: que a vida é dos vivos e não dos que já passaram.

No mundo inteiro, há chifres famosos. Tudo começou com Zeus metendo a ganha em Hera, a vingativa mulher enfurecida. Na modernidade, o de Anna Karenina é um, o de Madame Bovary é outro exemplo. O adultério de Luísa ficou para sempre imortalizado no Primo Basílio. No Brasil, o corno não é diferente. Talvez tenha sido Machado de Assis o responsável pela fascinação nacional. Ninguém sabe ao certo se a Capitu com seus olhos de ressaca traiu ou não Bentinho.

Se alguém disser que não sente saudade dos monstros de antigamente, é mentira. Autêntica, deslavada e retumbante mentira. Pois o que marcou a meninice de cada um de nós foi justamente o monstro que elegemos para ter medo. Chegamos a colecioná-los durante o sono. Fada do dente? Uma ou outra vez perdida na vida, quando amolecia um canino trocado pela moeda de chocolate debaixo do travesseiro. Papai Noel? Uma vez por ano, até os sete, no máximo.

Mijo? Merda! Mesma maçada. Mesma moral micha. Mesma marola má. Mito mole. Mito murcho. Mito mascarado. Me mentiram muito. Mas minha mente muda. Miro meus medos. Mato meus males. Maluco mistificador! Mandachuva mequetrefe. Maioral miliciano. Machão mixuruca. Mijo? Merda? Memes? Mínima moral multiplicada. Mídia moderna. Mensagem maciça. Menos matéria, mais mixórdia. Matar Momo? Muito mal, muito mico! Mega milico. Mini mérito. Militância mesquinha mostra meretriz?

Há um inconfessável gozo na expressão – eu bem que avisei. Um prazer erótico, mórbido, sádico e sórdido em ver concretizado o alerta que se deu a quem deu de ombros. Uma espécie de síndrome de Cassandra nos consome contra aqueles que fazem ouvidos moucos ao nosso mau augúrio mais bem-intencionado. Cassandra, coitada, recusou-se a dormir com Apolo e, por isso, não só foi amaldiçoada com o dom da previsão, como com a desgraça do descrédito.