SINOPSE
AZUL DE FEVEREIRO – Contos. Nova reunião de contos breves. O autor aprofunda-se no gênero do fantástico, utilizando-se de imagens absurdas e de linguagem mordaz. O livro está inserido numa coletânea de 9 outros autores, escolhidos pela editora pela grande contribuição para a literatura contemporânea brasileira realizada em Mato Grosso.
OLGA MARIA
NARRATIVA DAS IMPERMANÊNCIAS
Olga Maria Castrillon-Mendes
In: Azul de fevereiro. Coleção Carandá. Cuiabá: Carlini & Caniato, 2018
O livro Azul de fevereiro, de Eduardo Mahon, faz parte da Coleção Carandá composta de dez livros que representam, basicamente, parte da produção literária brasileira contemporânea produzida em Mato Grosso. A Coleção traz o selo da Editora Carlini & Caniato, cuja proposta editorial tem se voltado à formação do jovem leitor a partir do investimento no fecundo trabalho de produção e difusão dos escritores do Estado. Nos títulos desta Coleção o leitor encontrará alguns dos mais destacados escritores brasileiros, bem como jovens escritores que têm despontado nas artes e na cultura do Estado. Todos veiculam expressivos textos que rompem as barreiras da obviedade e da linguagem, renovando estruturas e temas. Um misto de narrativas curtas e poemas, a coleção é um aperitivo literário que encontrará solo fértil nos mais diversos nichos escolares, desde que olhados com especial atenção pelos professores e disponibilizados pelas escolas.
Azul de fevereiro é um convite aos diferentes gestos de leitura que meu “olhar superlativo”, diria, lacunar, apaga o autor, aguarda a ouverture da ópera e o prazer (incômodo) da surpresa de cada ato. Mahon escreve para incomodar, desassossegar, fazer do sonho, pesadelo e subverter a realidade cartesiana. O estilo, influenciado por um conjunto substancial de leituras, já era antevisto em Doutor Funéreo, conjunto de contos sobre a morte, mas não a morte propriamente física, mas sobre a finitude. A visão patética e irônica forja a tônica literária em Contos Estranhos, perfil que foi aprimorado até chegar em Azul de Fevereiro. O autor estimula a tensão no riso e afasta o afeto romântico clássico, não deixando, porém, o lirismo de lado, o que torna a escrita ainda mais instável e provocadora.
Algumas leituras são absorvidas pelas cativantes histórias envazadas em narrativas curtas, fluidas e com o ingrediente básico do conto maravilhoso; outras movem sentimentos de irritação, absorvidos pelos variados momentos de tensão entre o espaço e o tempo, as vozes narrativas e o estilo. Isso implica cavar os subterrâneos da mente e atingir as tonalidades dadas pelo narrador. A escolha recai sobre um sistema de coordenadas essenciais que expressam as variadas relações com o mundo. Não há nos contos elementos gratuitos ou decorativos, mas a exploração concisa do acontecimento, garantindo o valor estético. A temática é variada e apreendida pelos efeitos do espanto e pela condição existencial das personagens. Tudo perpassado por fina ironia que atinge de imediato o leitor, na exata dose de diversão que só a literatura é capaz de oferecer.
Entre a fantasia e o jogo, os sentidos são arrebatados pelo que lê/observa, pelas surpresas finais e pela forma como o insólito se cola a um real rejeitado como ponto de partida. As leis físicas não o atingem e nem tampouco parecem comprometer a verossimilhança da própria narrativa. O trato entre o possível e o impossível é o mesmo, desmanchando no ar o liame do que entendemos como fantasia. A brevidade de cada conto é estrutura e essência. Funciona como mecanismo de sobreposição de planos e de expressão poética, muito dentro da inventividade do escritor afeito aos influxos de expressivos narradores da literatura mundial.
É nesse cenário de espelhos identitários, empalidecidos como a formação do arco-íris, que os contos de Eduardo Mahon convidam o leitor a se aproximar do literário, se perder e se achar, mesmo que em pequenos instantes improváveis de sua conturbada vida.
Ao leitor de fruição, aquele que se compraz com o livro, sem compromissos acadêmicos, aproveite o bom humor para rir de chorar. Ao estudioso, um alerta: os contos são como cebola. É preciso vencer camada a camada de significado, para atingir o núcleo, a intencionalidade escondida nas entrelinhas. Este último vai rir, mas também chorar.
No mais, é ler para crer!
GISELLI e SANDRA
Espelho, espelho meu: a condição existencial do homem em Azul de Fevereiro, de Eduardo Mahon[1]
Giselli Liliani Martins[2] - (UNEMAT/SINOP) - CAPES[3]
Sandra Maria Alves de Souza[4] - (UNEMAT/SINOP)
O fantástico é uma lente de aumento que
serve para ver melhor a realidade.
(MAHON, 2020, p. 57).
Desde que chegam a esse mundo os seres humanos são construídos, desconstruídos e reconstruídos pelas descobertas que fazem ao longo da vida. Nesse processo formativo do ser, ao qual todos, inevitavelmente, são expostos, a imaginação é trabalhada, lapidada, para contribuir com essa formação. Nesse sentido, entre o real e o imaginário, os sujeitos vão se constituindo, ora questionando acontecimentos humanamente inexplicáveis, ora resignando-se a aceitá-los.
Partindo do princípio de que a existência humana se equilibra no limiar entre realidade e imaginação, percebe-se uma linha bastante tênue a demarcar essa fronteira, na qual a literatura se mostra um instrumento de referência, ou até mesmo de encontro, entre o sujeito e as múltiplas faces que o constitui, e o ajuda a compreender-se enquanto ser humano frente às dualidades da natureza humana e do mundo. Nesse duelo, a narrativa fantástica se coloca como um importante instrumento, inclusive, de reconhecimento e transformação do homem e do meio no qual vai sendo inserido ao longo do tempo.