SINOPSE
NEVRALGIAS – Contos e poemas. Na primeira incursão literária, o autor reúne contos curtos e poemas. Os contos publicados no volume formam uma reunião de publicações em jornais e levarão o autor a desenvolver as fórmulas estilizadas neste primeiro experimento para outros livros seguintes.
FORTUNA CRÍTICA - EDSON FLÁVIO SANTOS
QUERER E NÃO QUERER: O PERCURSO LÍRICO MAHONIANO
Com dezessete livros publicados, e incontáveis artigos de opinião e resenhas, Eduardo Mahon é, sem dúvida, um dos autores que mais publicam em Mato Grosso nos últimos anos. O editor da Revista Pixé, carioca residindo em Cuiabá desde a década de 80, é um grande incentivador da literatura. Exemplo disso foi o Primeiro Prêmio Pixé de Literatura e outras ações culturais e artísticas onde Mahon está envolvido.
A pauta que me motiva, para uma conversa breve e sem pretensão – pelo menos por agora - de aprofundamentos, é sua obra lírica, o que representa mais de um terço de sua produção até agora. Todas as obras aqui analisadas, bem como as posteriores, recebem o selo Carlini & Caniato, editora cuiabana que faz um belíssimo trabalho de edição e incentivo aos autores do estado.
Dos seis livros que compõe esse corpus, Nevralgias (2013), que conta com o belíssimo texto de orelha da, também escritora, Marília Beatriz, é a primeira obra onde Eduardo Mahon arrisca-se pelos meandros da literatura e aposta no jogo entre poemas e contos.
Desse momento inicial do autor é possível perceber que a lírica mahoniana, nas mais de três dezenas de poemas que compõe esta obra, não mantem a mesma estrutura entre si. Seus temas vão desde o calor cuiabano até a própria poesia. Nesse sentido, o autor não faz questão de explorar, exaustivamente, as bananas, os cajus, as mangas, ou qualquer outro elemento local, como quem procura um elemento exótico em sua poesia para mostrar-se mato-grossense. Na verdade, ele foge desses padrões diferenciando-se de outros poetas contemporâneos, sem diminuí-los por isso, como uma estratégia do autor que busca, a cada obra, imprimir seu próprio estilo.
Alguns poemas como Clarice e Pedra, são escritos totalmente em tercetos e Poema de cristaleira todo em dísticos. Eduardo Mahon não esconde sua inclinação pelos quartetos. Essa repetida apresentação de poemas, em quatro estrofes de quatro versos, nos remete a forma fixa do soneto, pelo número de estrofes. No entanto, o desejo do autor em escrever ultrapassa a limitação da quantidade de versos proposta pela tradição. Importa dizer que a obra alcança uma convivência harmônica, inclusive visual, entre prosa e poesia que se revelam enleadas pelas imagens incríveis de Adir Sodré.
Pensando ainda nos elementos que compõem a obra em questão podemos encontrar uma característica do autor que se desdobrará futuramente. Ao alternar contos e poemas, Eduardo Mahon lança mão da experimentação. Não podemos esquecer que é seu livro de estreia nas veredas literárias e é uma obra que mistura contos, poemas e imagens que acabam por sugerir um certo tipo de tensão. O que se encontrará na próxima página? Outro conto? Um novo poema? Uma imagem? Possuem relação entre si? Para onde o autor quer nos levar? Esse elemento de suspense, ou retardamento, a meu ver, representa um avanço na tentativa de encontrar seu estilo ou, estabelecer um pré-diálogo com suas obras posteriores, principalmente os romances. Estaria o autor testando seu leitor?
No ano seguinte, 2015, Eduardo Mahon lança a trilogia Palavrazia, Meia palavra vasta e Palavra de amolar[1] que, se eu pudesse, consideraria um livro só: o livro da palavra. Escritos apenas com poemas, os três livros denotam, na nomeação da capa, uma proposta muito clara e que se efetiva ao longo da trilogia que é o trabalho com a própria palavra.
O processo criador nasce com a própria palavra. Ao encontrar diversas formas de experimentação lírica, eu acredito naquilo que disse Emil Staiger (1997) que “falar-se sobre versos líricos, julgá-los e fundamentar o julgamento é quase impossível”. E tratando-se dos versos de Eduardo Mahon torna-se ainda mais difícil esse julgamento pois o autor nos apresenta não uma, mas três obras completamente diferentes da proposta lírica de Nevralgias (2013). Enquanto o primeiro ultrapassa os versos do soneto, a trilogia de 2015 avança agora para uma economia de versos.
Nos três livros, a simbologia do número três se repete não apenas em tercetos, dispersos pela trilogia, mas na dedicatória de Palavrazia onde o autor oferece as obras aos três filhos.
Em Palavra de amolar, o autor revela o desejo de ver a palavra esmiuçada, encurtada
curta
a palavra
curta (AMO)
onde a ausência do tema é o próprio poema
na falta
de tema
criou o poema (AMO)
ou a próprio gesto de escrita é proposta
poetizei
que um dia
poeta virei (VAS)
reduzindo o verso até que não sobre nada dele
se
ave,
voe. (AZI)
Há uma visualidade muito importante nos poemas mahonianos. No entanto não o categorizo como poeta-visual. O que vejo em Eduardo Mahon é um poeta que ousa experimentar todas as formas possíveis da própria palavra. Amparado no que diz GILLO DORFLES (1992), vejo que a lírica do autor se apodera das novas dimensões que a palavra pode alcançar. Dimensões amplamente exploradas por outros poetas mato-grossenses, que o autor diz serem os “precursores da mentalidade vanguardista”, como Wlademir Dias-Pino, Silva Freire e Gervásio Leite. Estes dois últimos, lembrados no que chamaremos de poemas-homenagem.
Numa trilogia onde as páginas não são numeradas, os poemas desenvolvem-se em todas as direções do papel ressignificando o lugar da própria palavra enquanto matéria de poesia. Uma palavra visivelmente pensada e aquilo que, por vezes, não é considerado poético também “cabe no poema” de Eduardo Mahon com uma nova e, por vezes, inédita virtude expressiva. Em outras palavras, aquilo que não serve para alguma coisa, serve para sua poesia
em matéria de poesia
o que muito serve
não tem serventia (AZI)
As escritoras Marilza Ribeiro (Palavra de amolar), Cristina Campos (Meia palavra vasta), Marli Walker (Palavrazia) e Marília Beatriz (Palavrazia) compõe as leitoras de primeira hora de Eduardo Mahon nessa empreita e levantam questões importantíssimas para aqueles que possam a vir se debruçar sobre as obras poéticas do autor.
Em 2017, Eduardo Mahon publica seus dois últimos livros de poemas, até então. Um certo cansaço do mundo e Quem quer ser assim sem querer? as publicações posteriores serão de contos e romances.
O dueto parece ser um resquício do que ficou por ser dito na tríade anterior. “Metro e ritmo não são a mesma coisa” já disse Octávio Paz (1990) e isso pode ser bem observado nestas duas obras onde o autor se vê mais conciso ainda em páginas que mudaram de tamanho em relação as publicações anteriores. Em “Quem quer...” a palavra, literalmente, se espreme no papel
me
ar
de
ver
tan
to
ver
de
Parecem-me livros publicados com poesias não incluídas nas obras anteriores. Como se o autor ainda necessitasse dizer algo a mais e só assim terminar seu primeiro ciclo lírico para dar início a um novo ciclo de livros, agora apenas em prosa. Ao menos podemos constatar que suas publicações posteriores foram todas dedicadas ao gênero narrativo.
Diferencialmente de Nevralgias (2013) que mistura prosa e poesia. Nesse momento, Eduardo Mahon, separa os poemas na obra Quem quer ser assim sem querer? e o que eu chamarei de prosa-poética está reunida em Um certo cansaço do mundo. Embora o autor mantenha tipografia semelhante nas cinco últimas obras, onde as letras parecem apartarem-se das palavras, estes dois exemplares têm um tom diferente das demais publicações. Não há apenas um certo cansaço como diz o nome do livro. Talvez, o estado de espírito do autor tenha ditado as condições de um eu-poemático que não consegue ser feliz num mundo em desencanto
Sinto um vazio
De peixe sem rio (Quem quer...)
Um vazio que leve esse eu-lírico a declarar que “O verdadeiro amor não existe” (Um certo ...) ou o tradicional “To be, or not to be” de todos os poetas
agora estou
querendo ser
quem eu sou (Quem quer...)
Em “Um certo...” há momentos onde seus poemas conversam com grandes nomes da literatura brasileira como “O que vem você fazer aqui, Pedro?” que nos remete ao inesquecível “E agora, José?”, ou ainda de nomes além-Brasil como em “Quem me compra uma poesia?” verso que nos lembra a obra, do escritor português Afonso Cruz, “Vamos comprar um poeta”.
Ainda de acordo com crítico e poeta argentino Octavio Paz (1990) “as imagens recriadas pelo poeta tem origem na sua visão e experiencia de mundo”, e eu avanço dizer que no caso de Mahon é sobre a própria obra que ele observa e se debruça. Sua experiência vem desse voltar-se para si mesmo. Não em um ato vaidosos ou soberbo, mas como um autor preocupado com o devir. Um autor que, ao longo das seis obras analisadas, revela sua “techné” que se elabora sobre o próprio gesto de escrita demonstrando um claro domínio e consciência do fazer poético.
E é essa consciência, aliada a intensa produção literária, que o credencia e coloca o autor no patamar dos grandes escritores do estado, e que pode e precisa ser estudado não apenas isoladamente, mas dentro de um sistema onde ele mesmo tem o seu próprio projeto literário.
Edson Flávio Santos
Doutor em Estudos Literários
Cáceres – MT
[1] Que passo a usar Palavrazia (AZI), meia palavra vasta (VAS) e Palavra de amolar (AMO)